terça-feira, 29 de abril de 2008

Sobre Padres Voadores




A história do padre Adelir de Carli, que resolveu sair de Paranaguá pendurado em mil balões de gás é, certamente, uma das mais excêntricas das tantas que a mídia brasileira divulga diariamente (em três postagens, já é a segunda em que eu falo de mídia, imprensa, etc. O que está acontecendo comigo? Não assino jornal nem vejo muita tevê!). Ainda que, ao que tudo indica, o padre Adelir tenha ido longe demais (literalmente) ao tentar realizar suas fantasias de infância, ele conseguiu, de maneira absolutamente original, entrar para uma minúscula linhagem clerical brasileira. Junto a ele, há pelo menos um outro grande padre voador, Bartolomeu de Gusmão. Na primeira metade do século XVIII, o inventivo jesuíta criou um curioso mecanismo para alcançar o céu sem a mediação de qualquer indulgência. A passarola (imagem acima), como foi batizado o "instrumento de andar pelo ar" projetado por Gusmão era um misto de barco e balão que chegou mesmo a voar, por pouco tempo e sem atingir grande altitude. Foi o bastante, porém, para o padre Bartolomeu entrasse para a história com a alcunha de "Padre Voador" e inspirasse o personagem Bartolomeu Lourenço, de Memorial do Convento, romance do discutível José Saramago.


Enfim, Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, foi um dos empresários brasileiros com mais horas de vôo acumuladas em sua época.



E daí?


Sei lá, hoje estou meio randômico.

domingo, 27 de abril de 2008


Guerra de fronteira

As fronteiras ideológicas da Guerra Fria atravessavam países e continentes, separando o “mundo livre” do outro e dos simpatizantes do outro. A não ser que visitasse um país comunista ou freqüentasse algum “aparelho”, você nunca as cruzava. Sequer as via. Independentemente das suas simpatias ou eventuais rebeldias, vivia dentro de um perímetro comum bem definido. Com o fim da Guerra Fria, as fronteiras ideológicas desapareceram e nos vimos dentro de outra macrogeografia, a das fronteiras econômicas. Estas são visíveis demais. Separam bairros, dividem ruas, são fluidas e ondulantes – e no Brasil você as cruza todos os dias. Mais de uma vez por dia você passa por floridas, suíças, bangladeshes, algumas bolívias... E em cada sinal de trânsito que pára, está na Somália.
É impossível proteger estas fronteiras como se protegiam as outras. A grande questão do novo século é como defender seu perímetro pessoal da miséria impaciente e predadora à sua volta. Os americanos não podem ajudar desta vez, a fronteira maluca ziguezagueia dentro dos Estados Unidos também. No Brasil da criminalidade crescente e da bandidagem organizada, as fronteiras econômicas são, cada vez mais, barricadas e terras de ninguém. No fim é uma guerra de contenção, de proteção de perímetros. E os excessos cometidos são defendidos com a velha frase, que foi o adágio definidor do século 20 e ganha força no século 21: os fins justificam as barbaridades. As chacinas de lado a lado, o poder de pequenos tiranos com ou sem uniforme de aterrorizarem o cotidiano de todo o mundo, tudo é permitido porque é uma luta de barreira, onde se repelem ou se forçam tomadas de território, como em qualquer fronteira deflagrada. Cara a cara, nação contra nação.
Há um sentimento generalizado, mesmo que não seja dito, que a maior parte da população do mundo é lixo. Excrescência irrecuperável, condenada a jamais ser outra coisa. Esta não é certamente uma constatação nova e nem qualquer utopista ultrapassado chegou a pensar que o contrário era completamente viável. A novidade é que hoje se admite pensar o mundo a partir dela. Já se pode dormir com ela. A ordem econômica mundial está baseada na inevitabilidade de a maior parte do planeta ser habitada por lixo irreciclável. Ser “politicamente correto” hoje é dizer o que ninguém mais realmente pensa – sobre raças, sobre os pobres, sobre a consciência e compaixão - para não parecer insensível, mas com o entendimento tácito de que só se está preservando uma convenção que a retórica dos bons sentimentos finalmente substituiu totalmente os bons sentimentos. É a intuição destes novos tempos sem remorso que move o entusiasmo crescente do público com a truculência policial na nossa guerra do dia-a-dia. Nem tem sentido discutir se as vítimas mereceram ou não Não existe lixo inocente ou culpado. O que está no lixo é lixo. Demasia. Excesso. Excrescência.


Luis Fernando Veríssimo

(Zero Hora, 29/11/2007)

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Enfim, tudo é relevante...

... menos a cobertura do caso Isabella. No momento em que escrevo, faz mais de uma semana que a imprensa divulga incessantemente qualquer coisa referente ao caso da menina que caiu, foi empurrada, atirada ou coisa assim do alto de um edifício em São Paulo. O fato em si é terrível, claro. Tenho um filho de cinco anos e um pavor enorme me atravessa o corpo inteiro ao imaginar algo semelhante acontecendo com ele. A relevância do episódio é indiscutível. O que não pode ser levado tão em conta é o mórbido carnaval que as redes de televisão têm feito em torno. Primeiro: logo não haverá mais o que extrair do caso. Tudo que se podia explorar já foi explorado. Até a opinião do poodle da vizinha dos pais da tia da madrasta da menina já foi ouvida. Enquanto a(s) culpa(s) não for(em) provada(s) há praticamente nada a ainda ser dito. Em outras palavras, pode-se contar as horas, os minutos, para que qualquer outro crime, escândalo ou festividade nacional ocupe o lugar do caso no interesse das emissoras e do público. Segundo: desconfio que não se pode confiar em nada que seja veiculado na imprensa brasileira. Se o menos lido dos jornais está comprometido com alguma instância de poder (econômico, principalmente) quem dirá a emissora que bate recordes de audiência. Este comprometimento torna a imparcialidade jornalística uma piada. De forma que a imprensa brasileira, para mim, é irrelevante quando se apresenta como veículo de qualquer tipo de verdade. E sendo assim, o caso Isabella, este que foi construído, montado hora a hora diante dos olhos ávidos do país inteiro é absolutamente desimportante. Quem duvida, por favor, pergunte daqui a dois meses o nome da avó materna de Isabella para aquele colega de trabalho que acompanhou todos os detalhes do caso pela tv. Se ele ainda souber, favor desconsiderar-me.