quarta-feira, 28 de maio de 2008

O segredo musical mais bem guardado de Tânger


Que me lembre, nunca disse o nome da cidade onde moro a uma certa amiga fisicamente distante. Numa certa conversa, disse que morava em Tânger. Ela riu. E entendeu.
Pois bem: estive, na noite de hoje, em uma casa noturna de Tânger, em companhia de um grande amigo, parceiro de subversões leves. Estávamos lá principalmente pra ver e ouvir a Blazz. Disse a ele: "cara, muito obrigado por me avisar que eles iam tocar. Uma das poucas coisas que me fazem largar o que estiver fazendo e sair de casa é uma apresentação destes caras". Verdade. A primeira vez que assisti os seis (na época, se não me engano, cinco) tocarem foi no estacionamento de um supermercado. Aconteceu totalmente por acaso. Estava trabalhando numa feira do livro (das tantas que proliferam nesta terra) e, no final do expediente, fui vê-los. Tocavam clássicos do jazz contemporâneo, standarts, digamos: Thelonius, Hancock, Coltrane, Ellington, Brubeck, etc., e tocavam tão bem e com tanto entusiasmo que me emocionei. Fiquei até o fim, juntamente com outros dois sujeitos que faziam as vezes de público.
A Blazz é uma banda de jazz. A única, que eu saiba, realmente relevante e em atividade em Tânger. À primeira vista, parecem um grupo de funcionários públicos que saíram da repartição e se reuniram pra tomar um chope e conversar. Aí, sobem no palco, assumem os instrumentos e tocam. Simples assim. Não há apelo visual, pose, discurso bonito no microfone. Sobem no palco e tocam jazz com vontade. O baixo e a bateria parecem ser o pólo mais "animadinho". Volta e meia aceleram o andamento e improvisam. O sax, a flauta e o teclado, ao mesmo tempo em que puxam o pessoal da cozinha de volta aos temas principais, também se soltam e improvisam às vezes sóbria, ás vezes desenfreadamente.
Não sei, mas parece-me que a Blazz continua tocando toda quarta no mesmo lugar onde os vi pela última vez. O lugar se chama "Insano" e fica em frente ao Zaffari da Lima e Silva.
E mais não digo.

domingo, 4 de maio de 2008

Por um palheiro cada vez maior

"tenho imaginação fértil e gosto de agradar" diz a Leandra Leal no disco do 3 na Massa (que é bem legal, recomendo).
Eu também.
A dor e a delícia das frases ambíguas. A dor está na leitura simplesmente lasciva. A delícia, na aplicação mais geral, extensiva.
Durante um bom tempo busquei essa agulha, que deveria ser única, num palheiro enorme. E encontrei,várias. E todas únicas, no seu momento.
Não há um só amor, foi o que aprendi.
Aquele de que falam tanto, o verdadeiro, o insubstituível, é lenda. Tive esse amor várias vezes. O último volta e meia ainda me dói.
Tudo tem seu tempo e leva o tempo que leva. Não adianta tentar apressar a passagem do amor, estando ele acabado, em frangalhos ou em plena vigência.
Não adianta.
Verdade, o mais recente amor eterno deixou imagens, sons, gostos, cheiros que, a cada vez que são acionados, me deixam com o estômago suspenso (as borboletas na barriga, depois do fim do amor, ou melhor, do fim daquilo que o estrutura concretamente, continuam suspensas, mas congeladas, paradas, empurrando pra cima o diafragma), mas vêm abrandando seu efeito. Graças, principalmente, à decisão que tomei de não procurar mais uma agulha, mas ver o valor da palha que antes me apavorava quando parecia bloquear o alcance a uma agulha inexistente.
Sejamos claros: toda palha pode ser agulha. A eternidade, a perenidade do amor é instável. Pode durar algumas horas, alguns anos, meia dúzia de dias. E isso é fascinante.
Todas as mulheres que amei foram o amor único e eterno. Deixaram sua marca, às vezes sutil, às vezes a ferro, e agradeço-as muito, muito mesmo, por isso.
Todas que amarei também serão esse amor único e eterno.
Por que o amor é uma construção ampla, arejada e cheia de espaços onde se pode encaixar a novidade e o trivial da existência.
Quanto ao sexo, parece-me que o essencial é isso mesmo: imaginação fértil e vontade de agradar.