quinta-feira, 18 de novembro de 2010

lua depois da chuva


Ela não viu a lua depois da chuva.

Seu estado de irritação impediu meu aviso.

É muita coisa pra se ver: a lua depois da chuva, no meio do céu, brilhando e dizendo "sim, as coisas sempre recomeçam, a vida dá voltas, o mundo antes de acabar sempre começa de novo".

Fechei a janela pra não olhar sozinho aquela lua no meio do céu. Será que um dia ela vai descobrir a profundidade desse ato de amor?

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Pessoa



Fernando Pessoa escrevia em pé, numa mesinha redonda, no maior desconforto possível. Escrevia pra não pensar, pra calar por instantes as vozes que o alucinavam. Talvez escrevesse de olhos fechados, psicografando realmente, sem fingir que o fazia. Vejo Fernando Pessoa em pé, os braços cada vez mais longos, os cantos da boca repuxados pra baixo, escandindo, medindo, destacando as sílabas, atento a isso e ao tamanho da letra, do papel, à cor da tinta e, finalmente, quase ao fim do último verso, à idéia que lhe era berrada aos ouvidos sabe-se lá por quem.

Mais coisa velha.

As gavetas virtuais estão mesmo atulhadas.
Isso eu não sei quando escrevi. Talvez 2001/2.

Como o sol refletido no chão da despensa filtrado através do vidro da janela como uma árvore que não se vê e que está ali fora ao lado do canteiro de rosas brancas crescendo à revelia como achar que a partida é a melhor parte da viagem como olhar para o chão e ver os próprios pés andando como sentir na mão no meio da mais longa palestra uma parte muito especial de alguém muito especial como pedras empilhadas há muito tempo e o musgo da chuva entre elas como frase que pode ser entendida em dois ou três ou quatro sentidos de trás pra frente ou pro lado.

Um poema


Devo ter escrito uns dois ou três poemas em toda a minha vida. Hoje encontrei, meio por acaso, um deles. Acho que é de 1998 ou 1999.

Fluoxetina

Escovei os dentes por duas horas seguidas
Ainda sou um menino bem comportado
Que segura as mangas da camiseta pra colocar o casaco
Todas as retas que traço terminam num abismo à esquerda
Meu sexo é tosco mas tenho caráter
Não gosto de aquecedores e nunca andei de avião
O número cinco me dá muita sorte
Quando falo de mim não consigo parar
até revelar um segredo gravíssimo
Ontem esqueci de fazer os temas
Quando falo do campo sempre digo “lá fora”
Meus livros me oprimem e fazem companhia

Dos discos que tenho nenhum quero ouvir
Não tenho dinheiro mas gasto sapato
Não faço a barba mas ando de ônibus
Acredito nos santos mas deus não existe.