segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O Lugar do Nascimento

Anteontem preciosa amiga lembrou um fragmento de frase ouvido no filme 'Meu Nome não é Johnny': "o verdadeiro lugar do nascimento é aquele em que se lançou pela primeira vez um olhar inteligente sobre si próprio".
Fui atrás da autoria e descobri a continuidade da frase. O trecho citado acima é mais que belo, mas a frase completa encerra uma profissão de fé com a qual humildemente me identifico:
"O verdadeiro lugar do nascimento é aquele em que se lançou pela primeira vez um olhar inteligente sobre si próprio: as minhas primeiras pátrias foram os livros." (Marguerite Yourcenar)
Assino embaixo, com firma reconhecida, em muitas e muitas vias... .

sábado, 28 de novembro de 2009

Da fragilidade da Linguagem

'Estava apaixonado por meus estud0s, confesso mesmo que andava intoxicado pela linguagem filosófica, a qual considero agora como uma verdadeira droga. Como não se deixar abater e intoxicar pela ilusão de profundidade criada por essa linguagem? Traduzido em linguagem comum, um texto filosófico esvazia-se estranhamente. Seria preciso submeter todos a essa prova. O fascínio exercido pela linguagem explica, na minha opinião, o sucesso de Heidegger, Manipulador sem igual, ele possui um verdadeiro gênio verbal que o leva, contudo, longe demais. A linguagem assume uma importância vertiginosa.'

(Cioran - Entrevistas com Sylvie Jaudeau)

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

dois mil e nove sem bússola





Estamos em novembro. Dois mil e nove em seus estertores finais. Querendo ou não, flagro-me fazendo um balanço algo arbitrário do que foi este ano e chego a uma conclusão - provisória, como a maioria das conclusões: foi um ano triste. Vivi coisas muito alegres, conheci pessoas e lugares agradáveis e fascinantes que devem fazer parte da minha vida daqui por diante. Ainda assim, um ano triste. Principalmente pelos descaminhos profissionais (um na verdade, mas dos grandes), pelas decepções afetivas (sensação de incompletude, abstrações excessivas e afobações de minha parte são os motivos que me ocorrem) e potencialidades que não desabrocharam (de certa maneira, pelos mesmos motivos das afetividades mutiladas (!?)). Muitas portas, talvez... poucas escancaradas, algumas entreabertas, muitas espiadelas por frestas que não eram para o meu olhar.



De qualquer maneira, ainda há dezembro quase aqui, no presente. A ele, o benefício da dúvida, claro.



Vamos lá.



A busca continua.



segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Algo diferente sob o sol (quando há)... de Porto Alegre


Tapeçaria da Memória

Oficina de Produção de Textos Autobiográficos
Orientação e Organização – Fabio Bortolazzo Pinto



As Confissões(398 a.C.) de Santo Agostinho são consideradas 'o primeiro texto autobiográfico do ocidente'. Nesta obra, o célebre religioso argelino já coloca aquelas que continuam sendo as questões mais importantes para o estabelecimento de uma reflexão existencial cronologicamente estruturada. 'O que é o tempo?' e 'Qual a natureza da memória?' são algumas das perguntas que norteiam não apenas a rememoração de Agostinho mas a de todos aqueles que produziram e pensaram sobre o ato autobiográfico (resumidamente: a atitude de lembrar e registrar os acontecimentos da própria vida). São também questões como essas que serão abordadas na Oficina de Produção de Textos Autobiográficos intitulada 'Tapeçaria da Memória'.
A idéia, partindo de tais questões, é estimular a reflexão acerca da história de vida, produzindo a partir de lembranças e referências tanto objetivas quanto subjetivas textos que tornem mais palpável(eis) a(s) razão(ões) da existência.
Partindo da análise de objetos significativos e símbolos internalizados pelos indivíduos participantes, a oficina visa a organização cronológica dos fatos mais importantes de cada uma das vidas apresentadas e analisadas durante o processo e a construção de textos que equacionem tanto as experiências mais íntimas quanto aquelas que dizem respeito ao papel, seja como agente ou testemunha, do processo histórico. Pretende-se trabalhar, pois, efetivamente, na elaboração e/ou reformulação de textos memorialísticos (autobiografia, diário, etc) que descerrem para o próprio autor e seus potenciais leitores a evidência de que cada história de vida tem um significado importante não somente para aquele que a experiencia mas como parte de uma história maior, que diz respeito a todos. O processo de rememoração e registro das experiências vivenciadas passa essencialmente pela construção de um ‘acervo de lembranças significativas’.
Sendo assim, no primeiro momento da Oficina a ideia é, através do relato oral, da coleta de imagens, objetos e todo e qualquer indício material ou simplesmente sinestésico da passagem do tempo, juntar as peças, ‘enrolar o novelo de linhas dispersas’ que será desenrolado organizadamente para compor a tessitura da ‘história de vida’ de cada participante. Nos primeiros encontros, portanto, o trabalho será o de desinibir os participantes (não confundir com terapia de grupo) e estimular o relato oral acerca dos fatos que lhes parecerem relevantes de sua própria existência. Na dinâmica destes relatos já deve surgir a interação e, consequentemente, a identificação e o debate acerca das visões de mundo apresentadas. No segundo momento da oficina será priorizada a análise dos objetos que, de alguma forma, materializam a existência de cada participante. Estes elementos devem funcionar como a base, a superfície em que serão dispostos os ‘fios’ da memória mais subjetiva. Descrever e justificar a importância destes objetos será o primeiro contato dos participantes com a escrita propriamente dita. Entre aquilo que elaboraram e o que vai sendo registrado, uma série de questões estruturais/formais devem surgir. É o momento em que tais questões serão abordadas e discutidas pelo grupo. Na terceira parte, por assim dizer, da Oficina, o foco será a ampliação do horizonte da memória, quer dizer, a inserção do íntimo, do ‘privado’ no contexto maior do convívio social e do consumo de informações: através de crônicas, notícias de jornal, registros históricos e literários (imediatamente associáveis ao período vivido pelos participantes) será feita a apreciação oral e escrita destes registros. O quarto momento será o de juntar, tecendo enfim num registro memorialístico amplo e significativo para cada um dos participantes, no formato que pareça mais adequado, um único texto, a ser lido, debatido e avaliado por todos. O quinto e último passo será aquele em que se buscará definir, se for o caso, a maneira como estes textos serão veiculados, expostos a um público maior, concluindo, assim, o processo de reflexão, construção e registro do trabalho desenvolvido na Oficina.


Tapeçaria da Memória – Oficina de Produção de Textos Autobiográficos

Quartas (18:00 as 20:00) ou quintas (16:00 as 18:00), de 18/19 de novembro a 21/22 de abril (intervalo de férias durante o mês de fevereiro)

Investimento mensal: R$ 180,00 (4 encontros por mês)

Local: Palavraria - Livraria-Café
Rua Vasco da Gama, 165 - Bom Fim
90420-111 - Porto Alegre
Telefone 051 32684260
palavraria@palavraria.com.br
www.palavraria.com.br

Fabio Bortolazzo Pinto é Mestre em Literaturas de Língua Portuguesa pela UFRGS; autor da dissertação intitulada A ficção não é o que parece: autobiografia, cinematographia e escrita diarística em três romances de Carlos Sussekind http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/8576 Professor de Literatura do Ensino Médio no Colégio Província de São Pedro e nos Cursos Pré-Vestibular Meta e Matéria Prima (Caxias do Sul); Responsável pelo Prefácio, Posfácio e Notas de A Correspondência de Fradique Mendes de Eça de Queirós (L&PM), A Carteira de Meu Tio e O Moço Loiro de Joaquim Manuel de Macedo (L&PM). Também mantém (i)rregularmente atualizado um blog: http://tudorelevante.blogspot.com/

sábado, 24 de outubro de 2009

Fazer o que se gosta

Sou professor há três anos (segundo alguns amigos que praticam o ofício há bem mais tempo, só com seis, sete anos de docência é que se aprende realmente como dar uma boa aula) e confesso que a atividade já não me traz tanta satisfação. O primeiro ano foi terrível: insegurança, didática nenhuma, preparação de aulas a partir do zero, noites em claro, constrangimento e pouco domínio de palco (sim, uma das coisas mais certas a respeito de 'ser professor' é a de que se está num palco, atuando diante de um público na maioria das vezes pouco interessado - é preciso ter impostação vocal, total noção do espaço cênico, saber usar o corpo, etc). O segundo ano foi maravilhoso. Perdi toda e qualquer vergonha de ocupar a posição, desenvolvi um 'estilo' ou algo parecido de dar aula (que consiste basicamente em associar todo e qualquer conhecimento àquele que é a base da 'disciplina' que me cabe, Literatura, e em uma exploração do estranhamento que, imagino, minha figura, minha voz e meus trejeitos causam na audiência). Enfim, o segundo ano como professor foi de descoberta e prazer. O terceiro, este que se encaminha pro final, além de várias decepções fora da sala de aula, trouxe-me uma vontade de tentar outras coisas, outro tipo de abordagem. O post seguinte talvez esclareça o que estou dizendo.

domingo, 19 de julho de 2009

a lição mais difícil e mais simples de todas


A liberdade de ver os outros
David Foster Wallace


Um dos escritores mais admirados de sua geração, o americano David Foster Wallace se suicidou em setembro de 2008, aos 46 anos, enforcando-se. Este texto foi tirado de seu discurso de paraninfo para formandos do Kenyon College, há cinco anos.


Dois peixinhos estão nadando juntos e cruzam com um peixe mais velho, nadando em sentido contrário. Ele os cumprimenta e diz:
- Bom dia, meninos. Como está a água?
Os dois peixinhos nadam mais um pouco, até que um deles olha para o outro e pergunta:
- Água? Que diabo é isso?
Não se preocupem, não pretendo me apresentar a vocês como o peixe mais velho e sábio que explica o que é água ao peixe mais novo. Não sou um peixe velho e sábio. O ponto central da história dos peixes é que a realidade mais óbvia, ubíqua e vital costuma ser a mais difícil de ser reconhecida. Enunciada dessa forma, a frase soa como uma platitude mas é fato que, nas trincheiras do dia-a-dia da existência adulta, lugares comuns banais podem adquirir uma importância de vida ou morte.
Boa parte das certezas que carrego comigo acabam se revelando totalmente equivocadas e ilusórias. Vou dar como exemplo uma de minhas convicções automáticas: tudo à minha volta respalda a crença profunda de que eu sou o centro absoluto do universo, de que sou a pessoa mais real, mais vital e essencial a viver hoje. Raramente mencionamos esse egocentrismo natural e básico, pois parece socialmente repulsivo, mas no fundo ele é familiar a todos nós. Ele faz parte de nossa configuração padrão, vem impresso em nossos circuitos ao nascermos.
Querem ver? Todas as experiências pelas quais vocês passaram tiveram, sempre, um ponto central absoluto: vocês mesmos. O mundo que se apresenta para ser experimentado está diante de vocês, ou atrás, à esquerda ou à direita, na sua tevê, no seu monitor, ou onde for. Os pensamentos e sentimentos dos outros precisam achar um caminho para serem captados, enquanto o que vocês sentem e pensam é imediato, urgente, real.
Não pensem que estou me preparando para fazer um sermão sobre compaixão, desprendimento ou outras "virtudes". Essa não é uma questão de virtude - trata-se de optar por tentar alterar minha configuração padrão original, impressa nos meus circuitos. Significa optar por me libertar desse egocentrismo profundo e literal que me faz ver e interpretar absolutamente tudo pelas lentes do meu ser.
Num ambiente de excelência acadêmica, cabe a pergunta: quanto do esforço em adequar a nossa configuração padrão exige de sabedoria ou de intelecto? A pergunta é capciosa. O risco maior de uma formação acadêmica - pelo menos no meu caso - é que ela reforça a tendência a intelectualizar demais as questões, a se perder em argumentos abstratos, em vez de simplesmente prestar atenção ao que está ocorrendo bem na minha frente.
Estou certo de que vocês já perceberam o quanto é difícil permanecer alerta e atento, em vez de hipnotizado pelo constante monólogo que travamos em nossas cabeças. Só vinte anos depois da minha formatura vim a entender que o surrado clichê de "ensinar os alunos como pensar" é, na verdade, uma simplificação de uma idéia bem mais profunda e séria. "Aprender a pensar" significa aprender como exercer algum controle sobre como e o que cada um pensa. Significa ter plena consciência do que escolher como alvo de atenção e pensamento. Se vocês não conseguirem fazer esse tipo de escolha na vida adulta, estarão totalmente à deriva. Lembrem o velho clichê: "A mente é um excelente servo, mas um senhorio terrível." Como tantos clichês, também esse soa inconvincente e sem graça. Mas ele expressa uma grande e terrível verdade. Não é coincidência que adultos que se suicidam com armas de fogo quase sempre o façam com um tiro na cabeça. Só que, no fundo, a maioria desses suicidas já estava morta muito antes de apertar o gatilho.
Acredito que a essência de uma educação na área de humanas, eliminadas todas as bobagens e patacoadas que vêm junto, deveria contemplar o seguinte ensinamento: como percorrer uma confortável, próspera e respeitável vida adulta sem já estar morto, inconsciente, escravizado pela nossa configuração padrão - a de sermos singularmente, completamente, imperialmente sós. Isso também parece outra hipérbole, mais uma abstração oca. Sejamos concretos então. O fato cru é que vocês, graduandos, ainda não têm a mais vaga idéia do significado real do que seja viver um dia após o outro. Existem grandes nacos da vida adulta sobre os quais ninguém fala em discursos de formatura. Um desses nacos envolve tédio, rotina e frustração mesquinha. Vou dar um exemplo prosaico imaginando um dia qualquer do futuro. Você acordou de manhã, foi para seu prestigiado emprego, suou a camisa por nove ou dez horas e, ao final do dia, está cansado, estressado, e tudo que deseja é chegar em casa, comer um bom prato de comida, talvez relaxar por umas horas, e depois ir para cama, porque terá de acordar cedo e fazer tudo de novo. Mas aí lembra que não tem comida na geladeira. Você não teve tempo de fazer compras naquela semana, e agora precisa entrar no carro e ir ao supermercado. Nesse final de dia, o trânsito está uma lástima. Quando você finalmente chega lá, o supermercado está lotado, horrivelmente iluminado com lâmpadas fluorescentes e impregnado de uma música ambiente de matar. É o último lugar do mundo onde você gostaria de estar, mas não dá para entrar e sair rapidinho: é preciso percorrer todos aqueles corredores superiluminados para encontrar o que procura, e manobrar seu carrinho de compras de rodinhas emperradas entre todas aquelas outras pessoas cansadas e apressadas com seus próprios carrinhos de compras. E, claro, há também aqueles idosos que não saem da frente, e as pessoas desnorteadas, e os adolescentes hiperativos que bloqueiam o corredor, e você tem que ranger os dentes, tentar ser educado, e pedir licença para que o deixem passar. Por fim, com todos os suprimentos no carrinho, percebe que, como não há caixas suficientes funcionando, a fila é imensa, o que é absurdo e irritante, mas você não pode descarregar toda a fúria na pobre da caixa que está à beira de um ataque de nervos. De qualquer modo, você acaba chegando à caixa, paga por sua comida e espera até que o cheque ou o cartão seja autenticado pela máquina, e depois ouve um "boa noite, volte sempre" numa voz que tem o som absoluto da morte. Na volta para casa, o trânsito está lento, pesado etc. e tal. É num momento corriqueiro e desprezível como esse que emerge a questão fundamental da escolha. O engarrafamento, os corredores lotados e as longas filas no supermercado me dão tempo de pensar. Se eu não tomar uma decisão consciente sobre como pensar a situação, ficarei irritado cada vez que for comprar comida, porque minha configuração padrão me leva a pensar que situações assim dizem respeito a mim, a minha fome, minha fadiga, meu desejo de chegar logo em casa.
Parecerá sempre que as outras pessoas não passam de estorvos.
E quem são elas, aliás?
Quão repulsiva é a maioria, quão bovinas, e inexpressivas e desumanas parecem ser as da fila da caixa, quão enervantes e rudes as que falam alto nos celulares.
Também posso passar o tempo no congestionamento zangado e indignado com todas essas vans, e utilitários e caminhões enormes e estúpidos, bloqueando as pistas, queimando seus imensos tanques de gasolina, egoístas e perdulários. Posso me aborrecer com os adesivos patrióticos ou religiosos, que sempre parecem estar nos automóveis mais potentes, dirigidos pelos motoristas mais feios, desatenciosos e agressivos, que costumam falar no celular enquanto fecham os outros, só para avançar uns 20 metros idiotas no engarrafamento. Ou posso me deter sobre como os filhos dos nossos filhos nos desprezarão por desperdiçarmos todo o combustível do futuro, e provavelmente estragarmos o clima, e quão mal-acostumados e estúpidos e repugnantes todos nós somos, e como tudo isso é simplesmente pavoroso etc. e tal. Se opto conscientemente por seguir essa linha de pensamento, ótimo, muitos de nós somos assim - só que pensar dessa maneira tende a ser tão automático que sequer precisa ser uma opção. Ela deriva da minha configuração padrão.
Mas existem outras formas de pensar. Posso, por exemplo, me forçar a aceitar a possibilidade de que os outros na fila do supermercado estão tão entediados e frustrados quanto eu, e, no cômputo geral, algumas dessas pessoas provavelmente têm vidas bem mais difíceis, tediosas ou dolorosas do que eu. Fazer isso é difícil, requer força de vontade e empenho mental. Se vocês forem como eu, alguns dias não conseguirão fazê-lo, ou simplesmente não estarão a fim. Mas, na maioria dos dias, se estiverem atentos o bastante para escolher, poderão preferir olhar melhor para essa mulher gorducha, inexpressiva e estressada que acabou de berrar com a filhinha na fila da caixa. Talvez ela não seja habitualmente assim. Talvez ela tenha passado as três últimas noites em claro, segurando a mão do marido que está morrendo. Ou talvez essa mulher seja a funcionária mal remunerada do Departamento de Trânsito que, ontem mesmo, por meio de um pequeno gesto de bondade burocrática, ajudou algum conhecido seu a resolver um problema insolúvel de documentação. Claro que nada disso é provável, mas tampouco é impossível.
Tudo depende do que vocês queiram levar em conta. Se estiverem automaticamente convictos de conhecerem toda a realidade, vocês, assim como eu, não levarão em conta possibilidades que não sejam inúteis e irritantes. Mas, se vocês aprenderam como pensar, saberão que têm outras opções. Está ao alcance de vocês vivenciarem uma situação "inferno do consumidor" não apenas como significativa, mas como iluminada pela mesma força que acendeu as estrelas.
Relevem o tom aparentemente místico.
A única coisa verdadeira, com V maiúsculo, é que vocês precisam decidir conscientemente o que, na vida, tem significado e o que não tem. Na trincheira do dia-a-dia, não há lugar para o ateísmo. Não existe algo como "não venerar". Todo mundo venera. A única opção que temos é decidir o que venerar. E o motivo para escolhermos algum tipo de Deus ou ente espiritual para venerar - seja Jesus Cristo, Alá ou Jeová, ou algum conjunto inviolável de princípios éticos - é que todo outro objeto de veneração te engolirá vivo.
Quem venerar o dinheiro e extrair dos bens materiais o sentido de sua vida nunca achará que tem o suficiente. Aquele que venerar seu próprio corpo e beleza, e o fato de ser sexy, sempre se sentirá feio - e quando o tempo e a idade começarem a se manifestar, morrerá um milhão de mortes antes de ser efetivamente enterrado.
No fundo, sabemos de tudo isso, que está no coração de mitos, provérbios, clichês, epigramas e parábolas. Ao venerar o poder, você se sentirá fraco e amedrontado, e precisará de ainda mais poder sobre os outros para afastar o medo. Venerando o intelecto, sendo visto como inteligente, acabará se sentindo burro, um farsante na iminência de ser desmascarado. E assim por diante. O insidioso dessas formas de veneração não está em serem pecaminosas - e sim em serem inconscientes. São o tipo de veneração em direção à qual você vai se acomodando quase que por gravidade, dia após dia. Você se torna mais seletivo em relação ao que quer ver, ao que valorizar, sem ter plena consciência de que está fazendo uma escolha. O mundo jamais o desencorajará de operar na configuração padrão, porque o mundo dos homens, do dinheiro e do poder segue sua marcha alimentado pelo medo, pelo desprezo e pela veneração que cada um faz de si mesmo. A nossa cultura consegue canalizar essas forças de modo a produzir riqueza, conforto e liberdade pessoal. Ela nos dá a liberdade de sermos senhores de minúsculos reinados individuais, do tamanho de nossas caveiras, onde reinamos sozinhos. Esse tipo de liberdade tem méritos. Mas existem outros tipos de liberdade. Sobre a liberdade mais preciosa, vocês pouco ouvirão no grande mundo adulto movido a sucesso e exibicionismo.
A liberdade verdadeira envolve atenção, consciência, disciplina, esforço e capacidade de efetivamente se importar com os outros - no cotidiano, de forma trivial, talvez medíocre, e certamente pouco excitante. Essa é a liberdade real. A alternativa é a torturante sensação de ter tido e perdido alguma coisa infinita. Pensem de tudo isso o que quiserem. Mas não descartem o que ouviram como um sermão cheio de certezas. Nada disso envolve moralidade, religião ou dogma. Nem questões grandiosas sobre a vida depois da morte.
A verdade com V maiúsculo diz respeito à vida antes da morte. Diz respeito a chegar aos 30 anos, ou talvez aos 50, sem querer dar um tiro na própria cabeça. Diz respeito à consciência - consciência de que o real e o essencial estão escondidos na obviedade ao nosso redor - daquilo que devemos lembrar, repetindo sempre: "Isto é água, isto é água." É extremamente difícil lembrar disso, e permanecer consciente e vivo, um dia depois do outro.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Qualquer noite única, com vento.





Pode ser onze de julho a.c.

Venta , venta muito, venta sempre.


Noite desde muito cedo.

Quão propício ao crime e à pacificação dos instintos.

Convém assassinar-me com rapidez e calma. Gentilmente, numa dança breve.

Maciez e cura.

Ser o vento imparcial e constante do dia onze de julho a. d., que ninguém viu de onde veio, e era tudo.

Desde a partir de então.

domingo, 28 de junho de 2009

Tener um bigote...

Para quem nasceu nos anos 70, como eu, e teve contato com a cultura de massa - e nem tanto - durante a pré-adolescência, creio que podem vir à mente, em se tratando de um adereço tão peculiar e corriqueiro como o bigode, duas referências: Nietzsche e Village People. Ok, pode ser só meu caso, mas esta relação é assim mesmo, esquizóide. O fato é que durante a semana desfilei de bigode e mosca (não sei se existe um termo mais atual para aquele tufo de pêlos que cresce embaixo do lábio inferior), com o agravante que resolvi torcer as pontas do bigode à moda Dali e, mais modestamente, Eça de Queirós. Confesso que me senti poderoso. Nem todo mundo tem a coragem de portar um bigode. Os sujeitos de trinta anos preferem a barba, bem mais aceita nos dias de hoje, ou o cavanhaque, que o 'grunge' (sic) nos permite desde os anos noventa. Mas o bigode é outra coisa. Não é apenas um adereço, é todo um universo. Fui chamado de 'italiano', 'renato russo' (para minha tristeza) e de Zorro. Tudo vale a pena, se o bigode não é pequeno. Se me permite Nelson Rodrigues, eis o que eu queria dizer: não é tanto o bigode que importa, mas a sensação de, por algum tempo, comungar com Mandrake, Dr. Estranho e ser tão cafona e ambíguo quanto Thomas Magnum. Sim, causa estranheza, mas é parte da identidade que vamos perdendo, aos poucos, curvando a espinha aos dogmas da estética contemporânea. De qualquer forma, acessar o link abaixo explica um pouco aquilo que as palavras não alcançam acerca do bigode. Na verdade nem é pra tanto, mas escrever algo profundo também não. Não neste blogue.
http://www.youtube.com/watch?v=KNEaSf4_0Jc

segunda-feira, 9 de março de 2009

Por gentileza, me excomunguem!!!

Queria escrever algo sobre a excomunhão dos médicos que realizaram o aborto na menina de nove anos, no Recife, bem como a de sua mãe. Para a minha sorte, e a dos improváveis leitores deste blog, Rafael Limberger disse tudo na newsletter virtual de 06/03/2009 do periódico 'Capital Gaúcha' (http://www.capitalgaucha.com.br/):

A excomunhão
A excomunhão da mãe dos médicos envolvidos no aborto da menina de nove anos que havia sido engravidada pelo pai após ser estuprada pelo mesmo revela uma face constrangedora de uma instituição milenar como a Igreja Católica. E comprova, mais uma vez, que o poder religioso NUNCA deve estar junto com o controle temporal do Estado.
Não foi divulgado qual a crença religiosa da mãe da menina (se é que tem alguma) mas imagine qual o impacto dessa atitude do bispo de Recife e de Olinda, Dom José Cardoso Sobrinho, na vida dessas pessoas se elas foram religiosas, ao excomungá-las.
Segundo o religioso, o ato de tirar uma vida inocente é contra a Lei de Deus, portanto, está acima da lei dos homens. Mas as questões que ficam são:1- O risco de tanto a menina como o filho morrerem durante a gestação era enorme. O bispo de Olinda quer proteger a vida. Mas, caso a menina viesse a morrer em decorrência de uma ordem religiosa, o Dom José Cardoso Sobrinho seria excomungado também?
2- Como essa menina de nove anos iria explicar para o filho que o pai dele também é o avô? Ela teria condições psicológicas para isso?
3- Porque o pai estuprador não foi excomungado? Porque o religioso não condena a atitude do criminoso ao invés de focar sua atenção nas pessoas que estão agindo conforme a Lei?
São casos como esse que revelam a face mais conservadora, para não dizer retrógrada, da Igreja Católica. Será que essas atitudes irão renovar a fé dos fiéis?
Claro, as instituições religiosas têm o direito, e o dever, de defender aquilo que pregam. Só fica complicado a sociedade e os leigos entenderem porque o lado mais fraco, no caso a mulher, sempre parece ser prejudicada. Estupro é um crime hediondo, crinimalmente e moralmente falando, e os padres deveriam ser os primeiros a defender o prejudicado, nao excomungar quem está querendo proteger uma criança de nove anos.
Rafael Limberger
É isso aí.
Nada a acrescentar, só a pedir: senhores inquisidores, por favor, me excomunguem pois, cada vez mais, tenho vergonha de ter sido batizado.
Antecipo agradecimentos.