"Pois a desconsideração ou o esquecimento do nariz na história da filosofia merecem um estudo por si sós! Seria inútil procurar reflexões, mesmo que modestas, ou análises dignas desse nome concernentes aos cheiros, aos perfumes, aos aromas nas obras de filosofia dedicadas ao julgamento do paladar, à estética, à análise dos sentimentos, emoções ou percepções artísticas. Tudo para o olho! E uma complacência igualmente para com a orelha, pois esses dois órgãos colocam o mundo à distância, ao contrário do paladar, do tato e do olfato, que supõem a carne e o corpo em sua totalidade.
A imagem e o som dispõem de um status intelectual negado aos sabores, odores e percepções táteis: a boca, o nariz e a pele, não apenas a polpa dos dedos, já tão restritiva, supõem as mucosas e as secreções. Mas, sobretudo, esses três sentidos atestam a animalidade que subsiste no homem: tocar, fungar, farejar, mastigar, engolir, deglutir são operações que invocam a digestão e a defecação, a submissão às necessidades naturais. O nariz é o órgão dos animais que caçam, matam e comem."
ONFRAY, Michel. "Aristipo e 'a volúpia que instiga'". In.: Contra-história da filosofia. 1: as sabedorias antigas. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 108.