O crime.
Sim, aquilo de que nunca tínhamos
tomado parte e que era do cotidiano dos não-brancos, não-ricos, não-cristãos e
não-criados-em- condomínio-apartamento-ou-casa-com-pátio-e-garagem.
Era a
fronteira que não ousáramos atravessar, apesar de toda nossa coragem movida a
raiva e desconforto.
O crime era nossa antítese, o ato inaugural, que nos
igualava, que nos aproximava demasiadamente deles.
Por que uma coisa era vociferar contra a sociedade, ou o que conhecíamos dela,
fumar maconha, usar roupas sujas e ficar dois dias sem voltar pra casa, outra,
muito diferente, era dar conta de nossas próprias necessidades sem pedir que
ninguém nos ajudasse, e, mesmo pedindo, não sermos atendidos.
Uma coisa era
chocar a família unida na noite de natal, negando a taça pra brindar e o peru
pra comer.
Uma coisa era épater les
bourgeois, outra era chocar a nós mesmos. Queríamos mesmo pisar naquele
outro mundo, viver um momento de precariedade absoluta?
Eis a pergunta que vale
um milhão de inconsequências.
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